sexta-feira, 23 de julho de 2010

O Fantasma da Itália: Culto à imagem de Mussolini assombra democracia no país


Renato Grandelle
Benito Mussolini foi assassinado há quase 65 anos, mas seu fantasma ainda ronda a Itália. Imagens e frases do ditador fascista são tema de provas, discursos e pôsteres. O fenômeno não é novo, mas ganhou fôlego este ano e nas últimas semanas se tornou evidente. O “Duce”, como era conhecido, foi citado por Silvio Berlusconi — justamente em uma ocasião em que o premier quis negar a fama de poderoso — e ganhou outra menção polêmica no vestibular nacional, duas semanas atrás. Em uma questão da prova de italiano, os alunos eram instruídos a analisar uma frase em que ele tecia elogios à juventude.


Imagens de Mussolini não são raras no centro histórico romano. Dezenas de bancas dedicadas à venda de souvenires, como cartões postais e miniaturas do Coliseu, incluíram em seu catálogo pôsteres de Mussolini. E um aplicativo de
iPhone com os discursos do ditador está entre os mais baixados.
Mussolini ao lado de Hitler

O fantasma fascista assusta, mas não surpreende os historiadores. Trata-se de uma nova guinada no volúvel relacionamento da Itália com seu antigo líder. Já no fim da Segunda Guerra, Mussolini 
foi tirado do poder e fuzilado por guerrilheiros da Resistência. A imagem de um país que bateu de frente com o ditador permeou as décadas seguintes, mas enfraqueceu nos anos 70, quando novas pesquisas mostraram uma sociedade que, em boa parte, respaldou os crimes do ditador.

As décadas seguintes trouxeram a globalização e, com ela, um Estado nacional cada vez mais frágil. 
A chegada de imigrantes do norte da África e do leste da Europa expuseram a crise de identidade do país. Saudosistas e intolerantes refugiam-se na busca de um tempo mais altivo e guerreiro. Não raro, recorrem à imagem de Mussolini.

— Boa parte dos movimentos autoritários nutre-se da imagem de um Estado nacional perturbado com a circulação das populações — ressalta Maurício Parada, professor de História Contemporânea da 
PUC-Rio e organizador do livro “Fascismos: conceitos e experiências”. — As fraturas do cenário político italiano e a crise da identidade cultural explicam por que imagens de Mussolini podem ser compradas no meio da rua.

Por enquanto, a fala grossa da extrema direita não provoca mais do que espasmos. Parada acredita que a democracia italiana é sólida demais para rachar diante de invocações ao 
Duce. A socióloga italiana Simonetta Falasca-Zamponi, autora de “Espetáculo fascista: a estética do poder na Itália de Mussolini”, concorda com o colega brasileiro.

— O 
revisionismo sobre Mussolini acontece já há alguns anos. Faz parte da guinada à direita da política e cultura italianas, uma reação contra a Resistência e seus mitos — analisa. — Sobre o futuro, é difícil prever, mas me parece que as condições históricas atualmente são diferentes demais daquelas vistas logo após a Primeira Guerra Mundial para que um fenômeno como o fascismo possa se repetir.

Ainda assim, a polêmica presença do ditador ganhou força com dois golpes seguidos. O primeiro veio ainda em maio, quando um repórter perguntou a Berlusconi se os governos nacionais não perderam parte de sua soberania, visto que suas decisões para conter a crise econômica não foram acatadas pelo mercado.

O primeiro-ministro lembrou-se imediatamente de uma frase do diário de Mussolini — obra de que é entusiasta. “Eu não tenho nenhum poder”, disseram ambos. O fascista ainda completou: “Talvez tenham os líderes, mas eu não. Posso decidir se o cavalo vai para a direita ou 
a esquerda, mas nada mais”.

— Berlusconi me parece ser um emérito ignorante em termos históricos, e não creio que entenda o que de fato foi o fascismo — condena 
Simonetta. — Ele é claramente atraído pela perspectiva de um poder que não possa ser questionado.

— Mussolini, com esta frase, diz que o poder não está concentrado em sua figura, mas que ele é o meio para o poder se realizar — alerta Parada. — Esta é a síntese de um projeto autoritário, porque todas as 
outras alternativas de organização, como partidos e sindicatos, são eliminadas. Quando Berlusconi a lembra, manifesta um desejo de autoridade.

Duas semanas atrás, Mussolini emplacou outra pérola, desta vez na prova de italiano do vestibular nacional. Um dos exercícios exigia a análise de quatro frases, todas sobre o papel dos jovens na História e na política. Assinavam as citações, além do ditador, o comunista 
Palmiro Togliatti, o democrata cristão Aldo Moro e o Papa João Paulo II.

Comparar ideólogos tão diferentes, para historiadores ouvidos pela imprensa italiana, não é problema. O que provocou o debate foi 
a frase escolhida para representar o Duce. A citação, retirada do contexto original, pertencia a um discurso em que Mussolini versava sobre o assassinato do deputado socialista Giacomo Matteottisequestrado e morto em 1924, três semanas após denunciar o Estado policial na tribuna do Parlamento.

— Aqueles que não conseguem associar (a frase) ao contexto histórico de opressão podem reter-se na retórica com que Mussolini usou o conceito de juventude — alertou o historiador Claudio 
Pavone, em reportagem do jornal “LaRepubblica”. — Colocar aquela frase e outras citações sob um título genérico me parece um modo perigoso de despolitizar o fascismo.

E o risco de que o aluno não associe o discurso à ocasião é grande, segundo 
Simonetta:

— Infelizmente a juventude não sabe muito sobre o fascismo, assim como eu não sabia quando era jovem. Esta sempre foi uma grande falha do ensino italiano. Dependemos da qualidade do sistema escolar para saber quantos reagiriam à retomada de um sistema político semelhante ao de Mussolini.


Jornal: O GLOBO
Autor:  
Editoria: Ciência
Tamanho: 982 palavras
Edição: 1
Página: 30
Coluna:
Seção:
Caderno: Primeiro Caderno
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4 comentários:

  1. Olá Carla, fico feliz por você ter gostado do texto "espiritismo", o texto não é de minha autoria, há uns dez anos atrás existia um site que disponibilizava texto da enciclopédia Britânica, Barsa, entre outras, mas, como eu, você pode ficar a vontade para reproduzi-lo, aliás, o que você encontrar em meu blog pode ser reproduzido, afinal, precisamos expandir o bom conhecimento na internet. Abraços e parabéns pelo blog, cada vez melhor.

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  2. Muito obrigado por seguir o meu blog!

    Infelizmente, a lembrança do fascismo e do nazismo ainda estão muito presente na memória da humanidade.

    Um forte abraço! :-)

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  3. Obrigado! Já estou compartilhando e seguindo seu blog.
    Gostei e nas minhas férias visitarei pelas postagens.

    Saudações!

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  4. Olá, 'velhos' e novos amigos! Fico sempre muito contente com a visita de vocês. Fiquem à vontade para comentar, criticar e sugerir posts. Abçs, Carla.

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