sábado, 12 de novembro de 2011

Edward Thompson e Michel Foucault: trabalho e disciplina


Prezados amigos, eu tive a ideia de postar alguns trabalhos meus realizados na Universidade. Este trabalho trata de um aspecto do livro do historiador Edward Thompson, Costumes em Comum e de um aspecto do famoso livro de Michel Foucault, Vigiar e Punir. Citei outros autores que achei pertinente ao tema. Aviso que não houve ainda uma revisão no texto e me desculpem os eventuais equívocos. Espero que gostem!



Nas diferentes fases da Revolução Industrial perceberemos como as classes dominantes irão exercer um controle ou seu domínio sobre a classe do proletariado, principalmente no que se refere ao campo dos símbolos e das representações para poderem não só dominar os corpos dos trabalhadores, como também, seus imaginários. Aqui, neste trabalho, procuraremos nos ater a primeira e a segunda fase da revolução e como esta disciplinarização atingiu também as escolas.
Com a primeira revolução industrial, grande massa de trabalhadores ingleses oriundos das áreas agrícolas, necessitava ser disciplinada para poderem produzir o máximo que podiam a seus patrões. Na passagem do espaço da manufatura para o espaço fabril, Edward Thompson descreveu um antigo poema do século XVII, uma versão satírica sobre a irregularidade geral da semana do trabalho:

“Sabemos que a segunda-feira é irmã do domingo;
A terça também;
Na quarta-feira temos que ir à igreja e rezar;
A quinta-feira é meio feriado;
Na sexta-feira é tarde demais para começar a fiar;
O sábado é outra vez meio-feriado.”[1]

Diante dos aspectos do poema citado acima, podemos perceber que não havia uma regularização ou uma obediência com relação ao tempo de trabalho nas antigas oficinas em que o exercício da profissão era feito em casa e os artesãos usavam suas próprias ferramentas. A noção de tempo para estes trabalhadores ingleses, ainda no início do século XVIII, era a idéia do tempo através dos feriados religiosos, das badaladas da igreja, das festas tradicionais e etc. Veremos como nos século XVIII e XIX, os patrões tiveram que lidar com os trabalhadores indisciplinados. Nesta mesma questão trabalha-se na transição do espaço da manufatura para o espaço da fábrica, ou seja, os trabalhadores reunidos no


[1] THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: ____. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1982. p. 281.

mesmo galpão sobre a vigilância de um inspetor ou do próprio patrão.[1] O relógio passa a delimitar o tempo, sendo colocado num ponto alto da fábrica onde todos possam ver as horas. Caso um trabalhador conversasse ou se atrasasse, este era punido com em seu trabalho ou demitido do emprego. Podemos observar essa vigilância como uma espécie de panóptica descrita por Michel Foucault:

“Percorrendo-se o corredor central da oficina, é possível realizar uma vigilância ao mesmo tempo geral e individual; constatar a presença, a aplicação do operário, a qualidade de seu trabalho; comparar os operários entre si, classificá-los segundo sua habilidade e rapidez; acompanhar os sucessivos estágios da fabricação. Todas essas seriações formam um quadriculado permanente: as confusões se desfazem ; a produção se divide e o processo de trabalho se articula por um lado segundo suas fases, estágios ou operações elementares, e por outro, segundo os indivíduos que o efetuam, os corpos singulares que a ele são aplicados [...].”[2]

Esta disciplina era exercida pelo patrão ou pelos próprios colegas de trabalho. Havia um controle do tempo e do espaço nas fábricas em que todos eram vigiados para que a produção atingisse cada vez mais níveis superiores e o trabalhador, por sua vez, exercesse suas atividades com mais rapidez e mais responsabilidade.
Essa vigilância e o medo de ser punido faziam com que os operários trabalhassem horas seguidas em um sistema repetitivo e exaustivo. Num princípio chamado de “quadriculamento individualizante” descrito pelo mesmo autor, no fim do século XVIII, era necessário distribuir os indivíduos, isolá-los e localizá-los, e com isso, poder exercer um controle sobre seus corpos. Isto também revelou um domínio sobre o imaginário destes operários. Segundo Bronislaw Baczko,

“As ciências humanas punham em destaque o facto de qualquer poder, designadamente o poder político, se rodear de representações colectivas. Para tal poder, o domínio do imaginário e do simbólico é um importante lugar estratégico.[3]

Com medo das sanções ou do que pudesse vir a acontecer como formas de punições, grande massa de operários trabalhavam nas fábricas, produziam cada vez mais, se machucavam, viviam em péssimas condições de vida, mas obedeciam a seus patrões mesmo assim. Essa forma de obediência cega revelou uma “docialidade automática”, corpos sendo subjugados por um sistema de trabalho e por seus supervisores, às vezes, de forma até subconsciente, uma obrigação natural (doxa), de ir trabalhar mesmo doente, mesmo quando não se quer exercer a função, com receio do que poderia acontecer caso fossem contra a este sistema de dominação vigente.

Tempos Modernos - Charles Chaplin

Tanto no século XVIII e, sobretudo, no século XIX com o Fordismo, vemos o espaço da fábrica cada vez mais dividido, seriado, padronizado e o homem como uma continuação da máquina ou sendo “engolido” por ela como podemos observar no genial filme de Charles Chaplin em “Tempos Modernos”. Movimentos repetitivos, gestos padronizados, rítmicos e vigiados, não necessitavam de uma mão-de-obra qualificada. A grande massa trabalhadora não precisava ser educada. Apenas os filhos da burguesia ou da aristocracia estudavam, conforme mostra Hobsbawm:

“Até mesmo as famílias aristocráticas que desejavam educação para seus filhos confiavam em tutores e universidades escocesas. Não havia qualquer sistema de educação primária antes que Quaker Lancaster [...] lançasse uma espécie de alfabetização em massa, elementar realizada por voluntários, no princípio do século XIX, incidentemente selando para sempre a educação inglesa com controvérsias sectárias. Temores sociais desencorajavam a educação dos pobres.
Felizmente poucos refinamentos intelectuais foram necessários para se fazer a revolução industrial. Suas invenções técnicas foram bastante modestas e sob hipótese alguma estavam além dos limites de artesãos que trabalhavam em suas oficinas [...].”[4]

É notório perceber na obra de Foucault que no século XVIII, os corpos passam a ser objeto e alvo de poder tanto na esfera pública quanto na esfera privada e também em lugares que nem poderíamos citar como um ou outro (igrejas e escolas, por exemplo). Nas escolas, perceberemos com o avanço da Revolução Industrial, uma modificação espacial nas salas de aula e a divisão das tarefas entre alunos mais adiantados e os que estão na fase inicial. O objeto que pode regular o tempo também é o relógio exposto no alto das salas e o sino que toca para avisar quando uma aula termina e quando outra deve começar. Os alunos posicionados em fileiras, um de costas para o outro e todos escutando o professor e obedientes a ele. Caso ocorresse algum tipo de comportamento inadequado dentro de sala (conversas e risos, por exemplo), os professores poderiam “punir” seus alunos com castigos, alguns até físicos. Para evitar este tipo de medida drástica (a palmatória, por exemplo), alguns professores selecionavam os alunos mais adiantados ou mais inteligentes para fiscalizar outros alunos, fazendo assim com que não houvesse desperdício de tempo. Vejamos o que Foucault escreveu:

“Mas é sem dúvida no ensino primário que esse ajustamento das cronologias diferentes será mais útil. Do século XVII até a introdução, no começo do XIX, do método Lancaster, o mecanismo complexo da escola  mútua se construirá uma engrenagem depois da outra: confiaram-se primeiro aos alunos mais velhos tarefas de simples fiscalização, depois de controle do trabalho, em seguida, de ensino; e então no fim das contas, todo o tempo de todos os alunos estava ocupado seja ensinando seja aprendendo. A escola torna-se um aparelho de aprender onde cada aluno, cada nível e cada momento, se estão combinados como deve ser, são permanentemente utilizados no processo geral de ensino.”[5]

Sendo assim, tanto os operários nas fábricas quanto os alunos nas escolas eram controlados por aqueles que exerciam o poder sobre seus imaginários. Tanto o discurso dos patrões quanto dos professores e o medo de serem punidos caso tivessem um comportamento inadequado, fazia com que trabalhadores e alunos obedecessem a uma padronização de seus comportamentos, ou seja, divididos em série nos seus espaços (fábricas e escolas), hierarquizados pelas suas funções e/ou habilidades, obedecendo ao ritmo do relógio posto no alto de cada espaço, sendo vigiados por seus colegas ou por seus superiores.
O importante também é ressaltar que Foucault se refere a uma dominação no sentido vertical, mas de cima para baixo. Os patrões e os mestres exemplificados aqui exerciam o controle sobre seus subordinados. Já Baczko fala de uma dominação mais ampla, isto quer dizer que os próprios trabalhadores ou os alunos poderiam exercer certo poder sobre seus superiores, como por exemplo: os trabalhadores diante de suas péssimas condições de trabalho iriam exigir leis que possam garantir mais segurança ou se aliavam a grupos sindicais. Na escola, não só os alunos se negariam a estas práticas mecânicas de aprendizado, mas os próprios professores optariam por outras formas de ensino em que os educandos participassem mais das aulas ao invés apenas de serem receptores de informações.
Com isso, ressaltamos mais uma vez, que quem controla o imaginário de um indivíduo, exerce o poder sobre ele e este exercício de poder normatiza ou direciona o que seria um comportamento social aceitável ou não.

Autora: Carla Magdenier Sobrino
Disciplina: História Cultural
UGF: 2010

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BACZKO, B. Imaginação Social. In: LEACH, Edmund et alli. Anthropos-Homem. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1985.
FOUCAULT, M. Os corpos dóceis. In:____. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977. Cap. 1, pp. 125-152.
HOBSBAWM, E. J. A revolução industrial. In:____. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. 18. ed.  São Paulo: Paz e Terra, 2004. pp. 49-82.
MENEZES, Eduardo. A (re) significação da noção de espaço na Geografia Escolar: a contribuição poética bachelardiana e da teoria do imaginário. Niterói: UFF, 2010.
THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: ____. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1982.


[1] MENEZES, Eduardo. A (re) significação da noção de espaço na Geografia Escolar: a contribuição poética bachelardiana e da teoria do imaginário. Niterói: UFF, 2010.
[2] FOUCAULT, M. Os corpos dóceis. In:____. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977. Cap. 1, p. 133.
[3] BACZKO, B. Imaginação Social. In: LEACH, Edmund et alli. Anthropos-Homem. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1985. p. 297.
[4] HOBSBAWM, E. J. A revolução industrial. In:____. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. 18. ed.  São Paulo: Paz e Terra, 2004. pp. 53-54.
[5] FOUCAULT, M. Os corpos dóceis. In:____. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977. Cap. 1, p. 149.

Blogs de Amigos

Olá, pessoal! Recomendo dois blogs de professores amigos:

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Professor Eduardo Seabra.

http://tiradenteseaiconografia.blogspot.com/  Sobre o mito criado em torno da figura de Tiradentes durante o período Republicano. Muito bom! Professor Tauã Silva.