Prezados amigos, eu tive a ideia de postar alguns trabalhos meus realizados na Universidade. Este trabalho trata de um aspecto do livro do historiador Edward Thompson, Costumes em Comum e de um aspecto do famoso livro de Michel Foucault, Vigiar e Punir. Citei outros autores que achei pertinente ao tema. Aviso que não houve ainda uma revisão no texto e me desculpem os eventuais equívocos. Espero que gostem!
Nas diferentes fases da Revolução Industrial perceberemos como as classes
dominantes irão exercer um controle ou seu domínio sobre a classe do proletariado,
principalmente no que se refere ao campo dos símbolos e das representações para
poderem não só dominar os corpos dos trabalhadores, como também, seus
imaginários. Aqui, neste trabalho, procuraremos nos ater a primeira e a segunda
fase da revolução e como esta disciplinarização atingiu também as escolas.
Com a primeira revolução industrial, grande massa de trabalhadores
ingleses oriundos das áreas agrícolas, necessitava ser disciplinada para
poderem produzir o máximo que podiam a seus patrões. Na passagem do espaço da
manufatura para o espaço fabril, Edward Thompson descreveu um antigo
poema do século XVII, uma versão satírica sobre a irregularidade geral da
semana do trabalho:
“Sabemos que a segunda-feira é irmã do domingo;
A terça também;
Na quarta-feira temos que ir à igreja e rezar;
A quinta-feira é meio feriado;
Na sexta-feira é tarde demais para começar a fiar;
O sábado é outra vez meio-feriado.”[1]
Diante dos aspectos do poema citado acima, podemos
perceber que não havia uma regularização ou uma obediência com relação ao tempo
de trabalho nas antigas oficinas em que o exercício da profissão era feito em
casa e os artesãos usavam suas próprias ferramentas. A noção de tempo para estes
trabalhadores ingleses, ainda no início do século XVIII, era a idéia do tempo
através dos feriados religiosos, das badaladas da igreja, das festas
tradicionais e etc. Veremos como nos século XVIII e XIX, os patrões tiveram que
lidar com os trabalhadores indisciplinados. Nesta mesma questão trabalha-se na
transição do espaço da manufatura para o espaço da fábrica, ou seja, os
trabalhadores reunidos no
[1]
THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In:
____. Costumes em comum: estudos
sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1982. p.
281.
mesmo galpão sobre a vigilância de um inspetor ou do próprio patrão.[1] O
relógio passa a delimitar o tempo, sendo colocado num ponto alto da fábrica
onde todos possam ver as horas. Caso um trabalhador conversasse ou se
atrasasse, este era punido com em seu trabalho ou demitido do emprego. Podemos
observar essa vigilância como uma espécie de panóptica descrita por Michel
Foucault:
“Percorrendo-se o
corredor central da oficina, é possível realizar uma vigilância ao mesmo tempo
geral e individual; constatar a presença, a aplicação do operário, a qualidade
de seu trabalho; comparar os operários entre si, classificá-los segundo sua
habilidade e rapidez; acompanhar os sucessivos estágios da fabricação. Todas
essas seriações formam um quadriculado permanente: as confusões se desfazem ; a
produção se divide e o processo de trabalho se articula por um lado segundo
suas fases, estágios ou operações elementares, e por outro, segundo os indivíduos
que o efetuam, os corpos singulares que a ele são aplicados [...].”[2]
Esta disciplina era exercida pelo patrão ou pelos próprios colegas de
trabalho. Havia um controle do tempo e do espaço nas fábricas em que todos eram
vigiados para que a produção atingisse cada vez mais níveis superiores e o
trabalhador, por sua vez, exercesse suas atividades com mais rapidez e mais
responsabilidade.
Essa vigilância e o medo de ser punido faziam com que os operários
trabalhassem horas seguidas em um sistema repetitivo e exaustivo. Num princípio
chamado de “quadriculamento individualizante” descrito pelo mesmo autor, no fim
do século XVIII, era necessário distribuir os indivíduos, isolá-los e
localizá-los, e com isso, poder exercer um controle sobre seus corpos. Isto
também revelou um domínio sobre o imaginário destes operários. Segundo
Bronislaw Baczko,
“As ciências humanas punham em destaque o facto de
qualquer poder, designadamente o poder político, se rodear de representações
colectivas. Para tal poder, o domínio do imaginário e do simbólico é um
importante lugar estratégico.”[3]
Com medo das sanções ou do que pudesse vir a acontecer como formas de
punições, grande massa de operários trabalhavam nas fábricas, produziam cada
vez mais, se machucavam, viviam em péssimas condições de vida, mas obedeciam a
seus patrões mesmo assim. Essa forma de obediência cega revelou uma
“docialidade automática”, corpos sendo subjugados por um sistema de trabalho e
por seus supervisores, às vezes, de forma até subconsciente, uma obrigação
natural (doxa), de ir trabalhar mesmo doente, mesmo quando não se quer exercer
a função, com receio do que poderia acontecer caso fossem contra a este sistema
de dominação vigente.
Tempos Modernos - Charles Chaplin |
Tanto no século XVIII e, sobretudo, no século XIX com o Fordismo, vemos o
espaço da fábrica cada vez mais dividido, seriado, padronizado e o homem como
uma continuação da máquina ou sendo “engolido” por ela como podemos observar no
genial filme de Charles Chaplin em “Tempos Modernos”. Movimentos repetitivos,
gestos padronizados, rítmicos e vigiados, não necessitavam de uma mão-de-obra
qualificada. A grande massa trabalhadora não precisava ser educada. Apenas os
filhos da burguesia ou da aristocracia estudavam, conforme mostra Hobsbawm:
“Até mesmo as famílias aristocráticas que desejavam
educação para seus filhos confiavam em tutores e universidades escocesas. Não
havia qualquer sistema de educação primária antes que Quaker Lancaster [...]
lançasse uma espécie de alfabetização em massa, elementar realizada por
voluntários, no princípio do século XIX, incidentemente selando para sempre a
educação inglesa com controvérsias sectárias. Temores sociais desencorajavam a
educação dos pobres.
Felizmente poucos refinamentos intelectuais foram
necessários para se fazer a revolução industrial. Suas invenções técnicas foram
bastante modestas e sob hipótese alguma estavam além dos limites de artesãos
que trabalhavam em suas oficinas [...].”[4]
É notório perceber na obra de Foucault que no século XVIII, os corpos
passam a ser objeto e alvo de poder tanto na esfera pública quanto na esfera
privada e também em lugares que nem poderíamos citar como um ou outro (igrejas
e escolas, por exemplo). Nas escolas, perceberemos com o avanço da Revolução
Industrial, uma modificação espacial nas salas de aula e a divisão das tarefas
entre alunos mais adiantados e os que estão na fase inicial. O objeto que pode
regular o tempo também é o relógio exposto no alto das salas e o sino que toca
para avisar quando uma aula termina e quando outra deve começar. Os alunos
posicionados em fileiras, um de costas para o outro e todos escutando o
professor e obedientes a ele. Caso ocorresse algum tipo de comportamento
inadequado dentro de sala (conversas e risos, por exemplo), os professores
poderiam “punir” seus alunos com castigos, alguns até físicos. Para evitar este
tipo de medida drástica (a palmatória, por exemplo), alguns professores
selecionavam os alunos mais adiantados ou mais inteligentes para fiscalizar
outros alunos, fazendo assim com que não houvesse desperdício de tempo. Vejamos
o que Foucault escreveu:
“Mas é sem dúvida no
ensino primário que esse ajustamento das cronologias diferentes será mais útil.
Do século XVII até a introdução, no começo do XIX, do método Lancaster, o
mecanismo complexo da escola mútua se
construirá uma engrenagem depois da outra: confiaram-se primeiro aos alunos
mais velhos tarefas de simples fiscalização, depois de controle do trabalho, em
seguida, de ensino; e então no fim das contas, todo o tempo de todos os alunos
estava ocupado seja ensinando seja aprendendo. A escola torna-se um aparelho de
aprender onde cada aluno, cada nível e cada momento, se estão combinados como
deve ser, são permanentemente utilizados no processo geral de ensino.”[5]
Sendo assim, tanto os operários nas fábricas quanto os alunos nas escolas
eram controlados por aqueles que exerciam o poder sobre seus imaginários. Tanto
o discurso dos patrões quanto dos professores e o medo de serem punidos caso
tivessem um comportamento inadequado, fazia com que trabalhadores e alunos
obedecessem a uma padronização de seus comportamentos, ou seja, divididos em
série nos seus espaços (fábricas e escolas), hierarquizados pelas suas funções e/ou
habilidades, obedecendo ao ritmo do relógio posto no alto de cada espaço, sendo
vigiados por seus colegas ou por seus superiores.
O importante também é ressaltar que Foucault se refere a uma
dominação no sentido vertical, mas de cima para baixo. Os patrões e os mestres
exemplificados aqui exerciam o controle sobre seus subordinados. Já Baczko fala de uma dominação mais ampla, isto quer dizer que os próprios
trabalhadores ou os alunos poderiam exercer certo poder sobre seus superiores,
como por exemplo: os trabalhadores diante de suas péssimas condições de
trabalho iriam exigir leis que possam garantir mais segurança ou se aliavam a grupos
sindicais. Na escola, não só os alunos se negariam a estas práticas mecânicas
de aprendizado, mas os próprios professores optariam por outras formas de ensino
em que os educandos participassem mais das aulas ao invés apenas de serem
receptores de informações.
Com isso, ressaltamos mais uma vez, que quem controla o imaginário de um
indivíduo, exerce o poder sobre ele e este exercício de poder normatiza ou direciona
o que seria um comportamento social aceitável ou não.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACZKO, B. Imaginação
Social. In: LEACH, Edmund et alli. Anthropos-Homem.
Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1985.
FOUCAULT, M. Os corpos dóceis. In:____. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977. Cap. 1, pp. 125-152.
HOBSBAWM, E. J. A revolução industrial. In:____. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. 18. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. pp. 49-82.
MENEZES, Eduardo. A (re) significação
da noção de espaço na Geografia Escolar: a contribuição poética
bachelardiana e da teoria do imaginário. Niterói: UFF, 2010.
THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial.
In: ____. Costumes em comum: estudos
sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1982.
[1] MENEZES, Eduardo. A (re) significação da
noção de espaço na Geografia Escolar: a contribuição poética bachelardiana
e da teoria do imaginário. Niterói: UFF, 2010.
[2]
FOUCAULT, M. Os corpos dóceis. In:____. Vigiar
e punir. Petrópolis: Vozes, 1977. Cap. 1, p. 133.
[3] BACZKO,
B. Imaginação Social. In:
LEACH, Edmund et alli. Anthropos-Homem.
Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1985. p. 297.
[4] HOBSBAWM,
E. J. A revolução industrial. In:____. A
Era das Revoluções: Europa 1789-1848. 18. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. pp. 53-54.
[5] FOUCAULT,
M. Os corpos dóceis. In:____. Vigiar e
punir. Petrópolis: Vozes, 1977. Cap. 1, p. 149.
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